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Channel: A Princesa e o Canalha
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O cabelo, a pinta e a nuca da pior motorista do mundo

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Eu já contei aqui que conheci a minha esposa no consultório médico, quando fui com a minha ex fazer ultrassonografia do meu primeiro filho. Já contei de como eu consegui encontrar nela cada coisa que amei em todas as outras a quem amei. Já contei da minha filha linda que eu tenho com ela. Não contei ainda do meu filho, que ainda não curou o câncer e já me dá muito orgulho. Fica pra outra ocasião. Quero falar dos cabelos da Hellen, a minha esposa, porque quando eles não estão entrando no meu nariz e me fazendo cócegas eu durmo mal.

Se eu fosse dizer o que eu gosto mais nela, provavelmente seriam os cabelos. Aqueles cabelos compridos que não cabem no travesseiro dela, precisam invadir o meu. Ficam balançando no meu rosto quando fazemos amor e ela joga pra trás, aparentemente descuidada mas calculadamente de propósito para me deixar louco. Aqueles cabelos que ela jogou sobre a minha cabeça naquela nossa foto de praxe que tiramos na nossa primeira ida a Veneza, os que se mudam da escova de cabelo dela pro chão do banheiro e de lá para o ralo do chuveiro, os mesmos que entopem o ralo da banheira.

Só brigo com os cabelos dela quando encobrem a pinta que ela tem no seio branco e cheio, e por isso não perdoarei jamais aqueles cabelos. Não sei viver sem aquela pinta. E é só mais uma das tantas pintas que ela tem pelo corpo, que amo a todas, mas aquela pinta, a do seio, é a minha pinta. E talvez eu ame mais a ela que aos cabelos, gosto de como ela guarda o gosto da pele dela, de como ela desafia a minha língua em partidas em que ganhamos eu e a pinta, bem vejo que aquele pequeno pedaço de pele se diverte nas minhas investidas.

Devo ter tirado umas 500 fotos, com a minha velha câmera com filme – não me rendi ainda a maravilhosa era digital – e revelei eu mesmo no meu quarto de luz vermelha – que os jovens não conhecem, daquela pinta enquanto ela amamentava a minha filha quando ela nasceu, e agora fiz nova série enquanto ela alimenta o nosso pequeno príncipe, que já percebi que também é apaixonado pela pinta da mãe. Não digo que ele tenha herdado essa paixão de mim, sei que não foi: aquela pinta tem encanto suficiente para que ele, desde recém nascido, a tenha amado sozinho, vejo as pequenas mãos dele agarrando a pinta sempre que consegue, é meu filho, eu faço a mesma coisa.

Digo pra ela todos os dias que aquela pinta tem personalidade. Ela joga aquele cabelo pra trás e me sorri com aquela boca cheia de dentes que eu devo estar bem louco com aquele português com sotaque eslovaco dela. Eu sei que é verdade. A pinta dela me desafia em decotes, se recusando terminantemente a se conter num sutiã criminoso. Aquela pinta sabe do que me causa. A pinta, o cabelo e a nuca.

A nuca dela tem um cheiro de mel e frutas com mais alguma coisa. Tem cheiro da minha casa, tem o poder de me deixar no ponto ou de me fazer calmo, a depender da ocasião. A nuca e o pescoço dela que também se exaltam quando brigamos, são verdadeiros senhores de mim. E me desfaço por ela, porque eu encontrei nela a necessidade de não trair. E vocês bem sabem que eu nunca prestei.

Eu acredito que é possível que um Canalha não traia. Eu sou um exemplo disso. Meu compromisso maior sempre foi com o amor, e amei todas as que eu tive, ainda que em detalhes não muito fortes para durarem mais que uma noite. As que só me deram tesão só aconteceram quando não amava ninguém e tesão é digno tanto quanto o amor.

Essa semana um amigo me disse que a mulher que dá paz de espírito é muito rara pra ele, e o fez chorar numa noite dessas quando ele achou que era o fim. Ele também disse que adora um rabo de saia. Eu não sei dele com a mulher, só posso torcer pela felicidade do casal recém refeito. Mas eu não consigo ver o mesmo tipo de amor que tenho com a pinta da Hellen nisso. Não traí a Hellen. Nunca aconteceu. A pinta dela, a nuca, o cabelo, a cicatriz do joelho de quando aprendeu a andar de bicicleta, a voz quando ela canta, a risada quando eu faço cócegas e o café terrível que ela faz são as coisas que ela tem que me mantém cachorro domado, treinado, conhecedor do dono que tem.

A verdade maior é que quando eu amei a ela, foi a ela inteira. Há sim coisas nela que me irritam, mas amo a essas coisas também. E sinto falta do café ruim, do jeito como a voz dela fica aguda quando ela fica nervosa, mesmo quase nunca ficando nervosa. A mulher que me tem é serena, sempre foi. E mesmo eu não conseguindo entender quase nada do russo que brota da boca vermelha de lábios cheios dela quando fula comigo; me sentindo humilhado dela ser muito mais resistente a vodca do que eu; mesmo não sendo capaz de dizer que estão deliciosos as milhares de coisas gosmentas que ela me apresenta como comida e eu não reconhecendo em absoluto, apesar dela insistir que é frango; mesmo já tendo sido acertado pela fúria da TPM dela; mesmo ela sendo a pior motorista do mundo; mesmo que a mãe dela tenha literalmente feito vários despachos contra a minha pessoa e me acuse de tudo o que acontece de errado em todo o solo mundial, eu sei reconhecer que não é ela que é minha, sou eu que sou dela.

E eu sou contra qualquer ato que a faça acordar pra a vida e perceber que eu não sou bom o bastante pra ela, e por isso todos os minutos do meu dia são gastos em merecê-la. Amar, para mim, é isso. Nem a pinta, nem o cabelo, nem a nuca, nem tudo o que ela faz que me irrita merecem menos do que isso. Não dá pra se escolher certas coisas pra amar, e acredito sinceramente que amo mais os defeitos dela do que as qualidades. É muito fácil amar o que é bom, amor se mostra na adversidade. Amo a mulher a quem pertenço simplesmente porque não poderia ser diferente. E eu sei disso desde que a vi pela primeira vez. Ela e o cabelo, a pinta e a nuca. E amo sobretudo a péssima motorista e cozinheira que ela é.


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